Monday, March 28, 2005


O pastor, o cão e o rebanho. Paisagem dos arredores de S. João da Pesqueira, muito perto de S.Salvador do Mundo. Este também é o Douro, Património Mundial. Posted by Hello


O pastor, o cão e o rebanho.  Posted by Hello


Esta fonte abandonada traduz a cara dos amantes do Douro.

Pela primeira vez a categoria de Património Mundial pode ser retirada. Ficámos hoje a saber que devido à inépcia de alguém, em última instância do Governo de Portugal, uma burocracia inadmissível poderá fazer com que a UNESCO retire aquilo que atribuiu ao “Alto Douro Vinhateiro”.

São treze os concelhos que formam esta região: Alijó, Armamar, Carrazeda de Ansiães, Lamego, Mesão Frio, Peso da Régua, Sabrosa, Santa Marta de Penaguião, São João da Pesqueira, Tabuaço, Torre de Moncorvo, Vila Nova de Foz Côa e Vila Real, estendendo-se ao longo das encostas do rio Douro e dos seus afluentes, Varosa, Corgo, Távora, Torto e Pinhão. Será que nenhum nem ninguém souberam alertar.

Passei estes dias de Páscoa, numa aldeia com acontecimentos negativos recentes, com a intenção maior de contribuir para reverter a situação; a tristeza está a ficar para traz, o silêncio já não é tão profundo. Viveram-se dias felizes com um Douro resplandecente mesmo com o tempo que se fez sentir, mas a região não conseguirá sobreviver com dignidade à destituição de Património Mundial.

Não devemos esperar para ver, não devemos esperar que outros actuem. Cada um de nós, dos que amam o Douro, deve tornar-se activo.
 Posted by Hello

Wednesday, March 16, 2005


Marinha que já foi de sal. Fica na estrada paralela ao IP5, entre Aveiro e Gafanha. Posted by Hello

Tuesday, March 15, 2005


Não preciso de dizer qual a região desta paisagem e destas vinhas. Posso no entanto dizer que embora bela, a paisagem foi alterada pelas novas técnicas de implantação das vinhas. Os socalcos foram eliminados e quem perde é não só a estética como também a qualidade dos solos, uma vez que parte dos elementos serão arrastados pelo rigor dos invernos. Visitem o Douro. Posted by Hello

Friday, March 11, 2005

Mudança

Mudei, como muitos já fizeram, para o Blogger; trouxe comigo os artigos publicados. A partir de hoje deixo de penar longos minutos, numa espera arreliadora.

Pó de arroz

O António Maria andava numa azáfama para arranjar quem lhe apanhasse o arroz, pois este já estava bem maduro e o “rola” tinha uma aberta no tempo da malhadeira, uma vez que esta por estes dias andava na rua de Adou de Cima. Ficou aprazado para sexta-feira, com duas mulheres e dois homens na foicinha e outro homem para ajudar no transporte, com uma junta e um carro de bois.

Quando a Beatriz e o filho do meio chegaram à terra do arroz já passava do meio-dia novo; num instante se estendeu uma toalha sobre a erva da mota da valacha, e do açafate saiu a broa e o conduto, regados com uma boa pinga, seguidos de uma sopa de feijão vermelho ainda quentinha. Nesse dia não houve tempo para uma sesta sobre o chão aquecido pelo sol. O tempo urgia, a bateira já estava no esteiro com a água já a subir. Começou a correria dos homens com molhos de arroz à cabeça, num percurso ainda longo que atravessava uma vala, sobre uma tábua, e acabava na bateira logo depois de passar pelo lodo que a maré ainda não cobria.

Finalmente carregada a bateira, e aproveitando a maré quase cheia, lá seguiu o filho do meio do António Maria com a corda sobre o ombro puxando a bateira preta orientada pelo seu pai.

Chegados ao cais do esteiro de Salreu, lá se conseguiu um lugar entre as marés de moliço, onde o carro de bois já esperava. Carregado o arroz, e bem atado ao carro por grosso adibal, segue-se o caminho até à casa de Adou de Cima, passando pelo Cruzeiro do Seixal, numa volta maior mas que atenuava o esforço dos animais, pois o caminho mais curto era pela íngreme ladeira do apeadeiro.

Chegados a casa nem se descarregou o carro pois a malhadeira estava a sair de casa do Manuel Rita seguindo logo para a eira do António Maria. Posicionada, distribui-se um homem para o carro, outro para junto do “malhador”, e outro para a palha; para o filho do meio do António Maria ficou reservada recolha do arroz em gigos de vime, juntamente com a Maria “capada”, que se ofereceu para ajudar. O barulho da malhadeira era ensurdecedor, mas ninguém se queixa, falando apenas aos berros quando necessário.

Acabou a malhação. O “rola”pára a malhadeira e só depois olha para o relógio e diz: dezoito minutos. Nessa altura descansa-se, mesmo sentindo a comichão do pó de arroz em todo o corpo. Era sábado, dia de banho na bacia de zinco, e o calendário da cozinha tinha “18” escrito a lápis, sobre esse dia de 1962.

Folar de seis ovos

A proximidade da Páscoa de 1961 traz o filho do António Maria numa alegria constante, antevendo uma deslocação a Canelas onde o pai do Alberto “Espeta” teria, à sua espera, um folar de seis ovos e um corte de fazenda para um fato. Desde que se lembra o filho do António Maria, o Alberto “Espeta”, colono no Congo Belga, nunca esqueceu o afilhado. A deslocação seria feita a pé, sempre pela esquerda como lhe recomendou a Beatriz, de forma a poder ver os carros que vinham de frente, que nessa altura eram poucos, talvez uns dez durante cada viagem.
Todas as casas estavam gravadas na memória desde o ano anterior, quase todas bem juntinho à estrada, mas uma de azul muito claro com portadas de madeira pintada de branco, era mesmo um marco na memória, dentro do terreno com um bonito jardim na frente.
Saído da estrada nacional entrava-se na rua principal de Canelas até uma bifurcação junto à casa do senhor doutor Albino, onde a dúvida se instalava: pela esquerda ou pela direita? Parava-se, procurava-se no sótão da memória e, lá estava a casa alta com um cume de rendilhado cerâmico… era por aí, pela direita.
Batia-se na porta que logo se abria e após responder a umas perguntas de ocasião, passava-se à sala onde a mesa estava pronta para receber o afilhado e principalmente o Padre; comia-se uma amêndoa, respondia-se a novas perguntas e carregava-se, na saca de pano branco, o folar de seis ovos.
Chegou o dia de Páscoa de 1961 e o António Maria, logo cedo avisa que os pardais eram muitos e que era preciso ir fazer barulho. Referia-se a enxotar pardais da sementeira de arroz, nuns canteiros então feitos junto ao rio Jardim, já do lado de Canelas. E foi assim que o filho do meio do António Maria passou o dia de Páscoa, batendo num caldeiro e esperando a chegada da hora de recolher dos pardais.

Dá-se um doce...

Dá-se um doce a quem souber a origem destas argolas:


Argolas de Salreu
Felicia Sampaio
Editora Culinária do Roteiro Gastronómico de Portugal

Ingredientes:
250 grs. de açúcar
2 dl de leite
2 colheres de chá de canela
1 colher de chá de fermento em pó
125 grs. de manteiga derretida
farinha de trigo q.b.

Confecção:

Depois de tudo bem mexido, junta-se a farinha suficiente para se tender a massa em argolas pequenas que se vão colocando em tabuleiros, estes não devem ser untados.Leve ao forno médio.

Pai Natal

O Gustavo vai ficar muito contente com o Pai Natal, digo até que irá ter uma das maiores alegrias, destes ainda poucos anos de vida; o seu objecto de culto na casa do pai de seu pai será transportado por um trenó puxado por quatro renas engalanadas, por montes e vales cobertos de neve, e será deixado sorrateiramente por debaixo da enorme chaminé da casa grande de Ovar, por onde o Pai Natal chegará e partirá. Este Pai Natal não pode esperar pelo Gustavo pois ainda terá muitas chaminés para descer, mudando várias vezes de fato, pois esta coisa de descer e subir chaminés, para além de ser uma canseira, suja muito a roupa. O pai do Gustavo, o Nuno, bem como seu tio Pedro, também tiveram o seu Pai Natal, mas ainda conheceram o Menino Jesus que também lhes trazia prendas e colocava nos seus sapatinhos. Claro que os sapatinhos eram pequeninos, pouco levavam, por isso o Nuno e o Pedro nas Noites de Natal levavam para debaixo da chaminé as suas maiores botas, e o Menino Jesus era amigo.

Já o pai do pai do Gustavo não conheceu o Pai Natal; conheceu sim o Menino Jesus que chegava bem cedo no Dia de Natal e rapidamente partia. A excitação era grande nessa manhã, descendo a íngreme escada de dois em dois degraus, rapidamente se passava pela sala e chegava à cozinha onde nas “chancas” se encontravam uma moeda de chocolate envolvida em prata dourada, duas moedas de dois cruzados e um punhado de castanhas assadas.Coincidência as castanhas…Na noite anterior a Beatriz tinha assado umas castanhas muito parecidas. A Beatriz fazia um golpe nas castanhas ou cortava uma pontinha, colocava-as na pedra da lareira com caruma por cima e ia salpicando com sal. Quando a caruma se apagava, cobriam-se com um ligeiro brasido, esperava-se poucos minutos e aí estavam elas prontas e apetitosas. De maroteira punham-se duas ou três sem cortar e era vê-las estourar lançando cinza sobre os que esperavam em redor da lareira. Já me esquecia de dizer que a Beatriz tinha um pucarinho esmaltado onde aquecia um pouco de vinho com açúcar para acompanhar as castanhas…Dou por mim a pensar que o Menino Jesus era mais pobre que o Pai Natal, mas a alegria transmitida por dois cruzados ou pelo objecto de culto do Gustavo na casa do pai de seu pai, é a mesma…
Boas Festas a todos.

Feira de ano

Estamos em 1962, a 15 de Janeiro e vou a caminho da Feira de Ano, em Santo Amaro, a tocar as touras que seguem, à “soga”, o homem contratado pelo António Maria para estes trabalhos: o Crico. Desce-se a rua de Adou de Cima, passa-se pela Capela do Mártir S. Sebastião, mais abaixo por um casarão invadido pelas silvas, no local onde hoje está a casa que foi do “Zagala”, que dizem já serviu de tribunal ou prisão, mais abaixo a ponte velha sobre o rio Antuã e, a partir daqui, novos horizontes: Quinta da Costeira, Cruzeiro de Santiago, Capela do Doutor Licínio e, mesmo à entrada da Feira, os arrumadores de bicicletas; é impressionante, são muitas centenas de bicicletas distribuídas pelos vários arrumadores.

O Crico lá segue por entre pessoas e animais, passando pelo espaço dos leitões, dos porcos, das ovelhas, dos vitelos, dos burros, dos cavalos, todos estes à esquerda pois à direita ficavam os vendedores de cortes de fazenda e dos capotes e samarras. A partir daqui já se pode ver os arreios e subindo à direita as bengalas, vergastas e varas com ou sem aguilhão. Pelo meio ficam os cesteiros, vendedores de vimes, jogadores de vermelhinha com o seu guarda-chuva aberto no chão, roleta, etc.

Agora sim entra-se no espaço onde o Crico vai aguardar pelo António Maria. Este deve andar a fazer ofertas para compra de outro gado. Quando o negócio é feito, puxa pela tesoura comprida e afiada, que transporta dentro de um estojo de cabedal, e logo trata de fazer a sua marca na parte superior do quadril do animal; é impressionante como estas marcas não se confundem. Elas são como impressões digitais para os negociantes, pois quando um deles passa e vê a marca, já sabe que está vendido e quem o comprou. Noutra ocasião contarei como se faziam estes negócios que vistos à luz de hoje poderiam ser considerados burlas, mas que naqueles tempos davam fama e consideração ao comprador.

Aparecido o António Maria junto do Crico, logo aparecem compradores, pois o homem tem fama de comprar e vender bom gado, avaliando mesmo o seu peso com um mínimo de margem de erro. O comprador aparece, com as mãos abre a boca do animal para saber a sua idade, passa a mão pelo corpo para saber se a gordura não é fruto de uma grande “celha” de água com farinha, e faz a sua oferta. Com o António Maria a vender, o negócio é rápido, pois ele pouco ou nada baixa às “notas” que já pediu.

Eu aproveito o momento para ir mais além onde estão as “juntas” de trabalho e o gado amarelo, ou mais abaixo onde está o gado leiteiro.

Rapidamente regresso para junto do António Maria que entretanto não só vendeu o gado que trouxe, como comprou várias “touras”. O dia está a correr bem, por isso há tempo para ir comer uma malga de molho de carne assada com sopas de pão de trigo. São nove horas da manhã, e passando pelas barracas dos ourives, pelas fritadeiras de peixe e por todo o tipo de vendedores de produtos locais, lá se chega ao “restaurante” apinhado de gente, onde o aroma da comida se sobrepõe aos cheiros imanados pelos corpos de trabalho.
Prometo continuar a Feira de Ano…

CINCO MINUTOS DE INTERVALO




… cinco minutos de intervalo? Ora estende lá essas mãos. Ai!... um minuto; ai!...dois minutos; ai!... três minutos; ai!... quatro minutos; ai, ai!... cinco minutos e acabou o intervalo, não é menino?
O filho, na altura mais novo, do António Maria tinha a cara branca como vela de estearina e as mãos vermelhas como grãos de romã; o professor Baltar, esse tinha a cara da cor das mãos do menino, cor de um sentimento que até hoje o então menino não descobriu.
O António Maria vivia, com a Beatriz e os seus ainda dois filhos, na Rua de Adou de Cima, logo acima da senhora Ercília e da Capada. No dia anterior ao das mãos cor de romã, o menino então com oito anos, saiu da Escola Domingos Joaquim da Silva, saltitou pela Avenida de covas e poças de água e juntamente com outros meninos colegas de escola, imaginou e formou um pequeno circo entre a eira e o cabanal de sua casa, imitando os trapezistas do Circo Cardinali, que tinha assentado arraiais num terreno mesmo em frente ao Largo da Igreja. Cansado da brincadeira o filho então mais novo, do António Maria, subiu vara a vara, até ao cimo do cabanal e anunciou: cinco minutos de intervalo.
O professor Baltar, que vivia numa casa alugada vizinha da do António Maria, ouviu e nada disse. Nada disse nesse dia, mas ao outro dia, ainda antes de corrigir os “deveres de casa”, lá estava ele com a cara da cor das mãos do menino.
…cinco minutos de intervalo.