Sunday, March 26, 2006

Ladaínha

Estamos em 1960, a rede acaba de sair do mar deixando atrás de si um pequeno rio de escamas e algumas petingas, logo ocupado por pés de corpos ansiosos por recolherem alguns dos peixes que vão escapando. O “marinhão” puxa da navalha e vai cortando a costura feita ao longo do saco, enquanto outros vão enchendo os cabazes com a ajuda de um “redanho”.
Descansam agora os bois após uma hora de trabalho intenso onde o caminho se repete na areia, para trás e para a frente, muitas vezes se ajoelhando com o esforço induzido pelo aguilhão da vara do seu tratador, que vai orientando a deslocação lateral, compensando assim o arrasto da rede.
Dentro do saco a azáfama continua, separando o peixe da “renda” que é atirado para um “redanho” ao fundo da rede enquanto as “marinhoas”, joelhos no chão, separam o peixe para os cabazes. Ali mesmo, acabada a escolha, se procede à arrematação: primeiro o peixe miúdo e no final o da renda.
É nesta altura que o António Maria se posiciona por trás dos outros “arrematadores” e num subtil piscar de olhos marca o seu lanço. Não paga, as varas de eucalipto que nesse ano estão sob os rolos do barco já pagaram o peixe do Outubro de férias do António Maria.
À noite há sempre um pouco para quem à porta “ladainha”: “óh minha senhora dê-me um bocadinho de pão…”