Friday, March 11, 2005

Feira de ano

Estamos em 1962, a 15 de Janeiro e vou a caminho da Feira de Ano, em Santo Amaro, a tocar as touras que seguem, à “soga”, o homem contratado pelo António Maria para estes trabalhos: o Crico. Desce-se a rua de Adou de Cima, passa-se pela Capela do Mártir S. Sebastião, mais abaixo por um casarão invadido pelas silvas, no local onde hoje está a casa que foi do “Zagala”, que dizem já serviu de tribunal ou prisão, mais abaixo a ponte velha sobre o rio Antuã e, a partir daqui, novos horizontes: Quinta da Costeira, Cruzeiro de Santiago, Capela do Doutor Licínio e, mesmo à entrada da Feira, os arrumadores de bicicletas; é impressionante, são muitas centenas de bicicletas distribuídas pelos vários arrumadores.

O Crico lá segue por entre pessoas e animais, passando pelo espaço dos leitões, dos porcos, das ovelhas, dos vitelos, dos burros, dos cavalos, todos estes à esquerda pois à direita ficavam os vendedores de cortes de fazenda e dos capotes e samarras. A partir daqui já se pode ver os arreios e subindo à direita as bengalas, vergastas e varas com ou sem aguilhão. Pelo meio ficam os cesteiros, vendedores de vimes, jogadores de vermelhinha com o seu guarda-chuva aberto no chão, roleta, etc.

Agora sim entra-se no espaço onde o Crico vai aguardar pelo António Maria. Este deve andar a fazer ofertas para compra de outro gado. Quando o negócio é feito, puxa pela tesoura comprida e afiada, que transporta dentro de um estojo de cabedal, e logo trata de fazer a sua marca na parte superior do quadril do animal; é impressionante como estas marcas não se confundem. Elas são como impressões digitais para os negociantes, pois quando um deles passa e vê a marca, já sabe que está vendido e quem o comprou. Noutra ocasião contarei como se faziam estes negócios que vistos à luz de hoje poderiam ser considerados burlas, mas que naqueles tempos davam fama e consideração ao comprador.

Aparecido o António Maria junto do Crico, logo aparecem compradores, pois o homem tem fama de comprar e vender bom gado, avaliando mesmo o seu peso com um mínimo de margem de erro. O comprador aparece, com as mãos abre a boca do animal para saber a sua idade, passa a mão pelo corpo para saber se a gordura não é fruto de uma grande “celha” de água com farinha, e faz a sua oferta. Com o António Maria a vender, o negócio é rápido, pois ele pouco ou nada baixa às “notas” que já pediu.

Eu aproveito o momento para ir mais além onde estão as “juntas” de trabalho e o gado amarelo, ou mais abaixo onde está o gado leiteiro.

Rapidamente regresso para junto do António Maria que entretanto não só vendeu o gado que trouxe, como comprou várias “touras”. O dia está a correr bem, por isso há tempo para ir comer uma malga de molho de carne assada com sopas de pão de trigo. São nove horas da manhã, e passando pelas barracas dos ourives, pelas fritadeiras de peixe e por todo o tipo de vendedores de produtos locais, lá se chega ao “restaurante” apinhado de gente, onde o aroma da comida se sobrepõe aos cheiros imanados pelos corpos de trabalho.
Prometo continuar a Feira de Ano…

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